31 de março de 2004

CHIMANGO

O dia nem tinha clareado ainda na sesmaria quando os Chimangos ouviram os rufos dos cascos e os socos das baionetas. Os Maragatos esperavam na tocaia, mas o Oficial não teve bigode pra puxar as rédeas da peonada. Quando viu, seus homens já troteavam pra junção sem escutar seus granidos.
Todos sabiam que era a última peleia, algum lado ia sair da briga com vantagem de meia-dúzia de homens. Mas todo mundo queria ficar no meio desta meia-dúzia. O medo de morrer não cruzava a vontade de ganhar a revolução.
No primeiro entrevero, os Maragatos derrubaram muita gente e os Chimangos pensaram em estalar os relhos rumo ao mato, mas como o Oficial de lenço branco tinha o bigode mais grosso, reuniu os cagalhões num só grito e uriçou os outros pro rebote. Enquanto os mais guri pulavam de pranchassos de facão nos baionetas, os mais remanchões correram pro mato buscar os matungos na corrida de quem rouba goiaba. Na segunda ordem de recarga das baionetas, as carquejas deitaram com o trote dos pingos e o gritedo dos chirús.
Os Maragatos tinham uns vinte homens de luz pros Chimangos e já preparavam pra balançar o lenço vermelho gritando a vitória, mas com o rebote, os Maragatos viram a guaiaca pesar. E o entrevero se ajuntou num bolo só até o meio-dia, onde só se ouvia os gemidos dos desasados e o tinido dos facões entre os vivos. As baionetas não tinham mais carga. O tendéu estava nivelado e os poucos que sobraram de cada lado não faziam menção de ir ao mato antes de derrubar os outros.
Quando o Chimango conseguir faquear o Maragato que tinha lhe acertado a perna, viu que os lenços vermelhos estavam todos contra o chão. Na mesma hora, puxou o seu lenço branco do pescoço e balançou pra cima cantando a a vitória sem perceber que era o único sobrevivente.
No levantar da aba do chapéu, foi que ele foi ver o tamanho do estrago: quinhentos de cada lado. Num relâmpago, relembrou da noite anterior onde os companheiros tragueavam e contavam causos em roda do fogo e agora já não tinham mais nem sangue pra escorrer.
Mesmo com a perna quase atorada, conseguiu voltear um matungo na beira dum capão e boleou a perna pra avisar o general que a revolução tinha acabado.
Chegou com aperna em gangrena e com o pingo assoleado na estância. Deram cachaça até esmorecer e quando abriu os olhos, deu falta da perna. Olhou em volta e viu que tinham lhe trazido pra casa, depois de quinze luas na peleia e o General apontou para o cabide e disse:
- Não fiques uriçado rapaz, perdeste a perna mas ganhaste a paz eterna na tua cochilha. E a farda de Coronel já é tua!
No quarto não se ouvia um pio na espera da resposta do índio velho machucado. Com o olhos grudados na farda, ele pensou e disse:
- Leve tua farda e me traga minha perna e os quinhentos companheiros devolta.

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