9 de março de 2004

O CANÁRIO E O POETA

O escritor morava no sexto andar do prédio antigo com a pintura descascada. Não tinha amigos e os vizinhos o consideravam um cara
estranho.
Dentro do seu apartamento, não se via mais mobília, apenas três mochilas, uma gaiola com um animado canário, papéis sujos e amassados pelo chão e um colchonete onde o escritor estava sentado, abaixo da janela.
Desde que decidira tentar sucesso na cidade grande, ele procurou manter a cabeça erguida, mas naquele dia, as frustrações tinham chegado a um ponto irreversível, não havia mais motivos para continuar.
No vilarejo onde morava antes, todos elogiavam o que ele escrevia, acreditavam nos seus trabalhos e conheciam-no como “O Poeta”. Com o incentivo de um amigo que morava na capital, resolveu levar a sério o ofício, pegou seus manuscritos, algumas roupas e embarcou no primeiro ônibus que partia em direção à metrópole.
Nos primeiros dias, dormiu numa pensão onde conseguia comida e roupa lavada. Depois arrumou um emprego de entregador de jornal e pôde se mudar para um apartamento alugado.
Cada vez que passava na Edição para pegar os jornais, deixava um rabisco com o editor para que desse uma olhada. Seis meses depois, foi contratado como colunista. E finalmente obteve a glória e o sucesso que almejou por anos, seu trabalho aparecia todos os dias no jornal e era citado como bom profissional por todos os colegas.
Mas numa certa manhã, as coisas resolveram dar errado. Tudo, por sinal.
Quando saía de casa foi rendido por uma ladrão armado que o trancou no banheiro até que pudesse esvaziar os outros cômodos. Quando conseguiu arrombar a porta do banheiro, percebeu a falta de todos os móveis.
Atrasado, correu para o jornal para avisar o chefe do imprevisto antes de ir à polícia. Para sua surpresa, foi muito mal recebido pelo atraso
e demitido na mesma hora. Sem perceber, o escritor foi tomado por uma fúria incontrlável e quando se deu por conta, havia assassinado o
editor com golpes fulminantes do peso usado para segurar os papéis.
Em pânico, correu para casa, puxou o colchonete até perto da janela e sentou. Quando o delegado colocou o pé na escada para subir, um
estrondo deixa os policiais em alerta e estes descem com pressa até a rua. Lá jaziam as três mochilas enroladas no colchonete.
O escritor e seu animado canário nunca mais foram vistos.

"Não sei se as coisas vão dar certo se mudarem, mas tenho certeza que elas precisam mudar para ficar melhor." Aldous Huxley

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