3 de fevereiro de 2004

Fractais

Quando você pensa em uma certa mercadoria, qualquer que seja ela, você sabe que seu preço ora sobe, ora desce, ou seja, dado um intervalo considerável de tempo, este preço se comporta de forma imprevisível. Várias podem ser as causas para este comportamento: a mudança de certas regras comerciais, uma expectativa de falta iminente da mercadoria, ou ainda, uma retração geral da economia... etc. De uma forma geral, os preços devem variar aleatoriamente e ordenadamente. Paradoxo? Não. Em uma escala micro, em curto prazo, os preços se comportam desordenados; mas em numa escala macro, em longo prazo, há certas tendências ordenadas como quando, por exemplo, há um longo período de recessão.

Quando um estatístico estuda certos dados, tais como o preço de certa mercadoria, ele utiliza uma ferramenta indispensável: um gráfico em forma de sino que representa a distribuição gaussiana ou normal dos dados. Esta curva mostra, neste caso, os preços de certo produto em um certo período de tempo. Desta forma a maioria dos valores discretos de preços se situa na parte central desta curva, ou seja, a média. Porém, nos lados desta parte central, a curva cai muito rapidamente.

Existiria um padrão nestes preços? O economista Hendrik Houtahkker aplicou esta forma de sino para estudo de oito anos de preço de algodão, constatando que a curva não se ajustava à distribuição normal perfeitamente. De forma estranha, a curva se alongava ao invés de cair rapidamente.

Algum tempo depois, Benoit Mandelbrot, um jovem matemático, foi convidado para fazer uma palestra no departamento de economia de Havard, do qual Houtahkker era professor. Coincidentemente, Mandelbrot tinha em mente uma figura bastante parecida com o diagrama de preços de algodão que Houtahkker tinha em sua sala. Mandelbrot concluiu que os preços de algodão seriam um bom conjunto de dados que ele poderia utilizar para prosseguir seus estudos. Eles eram numerosos – havia dados de mais de um século – e não continham interrupções.

Mandelbrot fazia parte da International Business Machines Corporation (IBM) e usou os computadores da empresa para processar os dados dos preços do algodão. Como Houtahkker já havia notado, os números mostravam aberração quanto à distribuição normal. O que era impressionante é que havia certa ordem oculta, havia simetria em pequenas e grandes escalas. Isto significava que as seqüências de variações independia da escala. Olhando as variações diárias e comparando-as com as variações mensais, notava-se que elas correspondiam-se perfeitamente. Era isto o que Mandelbrot procurava! um padrão onde , pensava-se, só existiria aleatoriedade.

Tempos depois a IBM começou a enfrentar problemas em suas linhas telefônicas que eram usadas para a transmissão de dados. Vez ou outra havia certos ruídos que causavam erro nos dados transmitidos. Quando Mandelbrot começou a analisar o problema, soube que os ruídos, apesar de aleatórios, apresentavam características peculiares: em certos períodos praticamente não havia ruídos, enquanto que em outros, havia vários erros de transmissão e mais: dentro de períodos de erro havia períodos de transmissão perfeita. A previsão dos ruídos era simplesmente impossível.

Haveria alguma relação deste fenômeno com o comportamento dos preços de algodão? Mandelbrot acreditava que sim. A intuição geométrica era uma de suas qualidades e logo associou a distribuição de erros a uma construção matemática chamada conjunto de Cantor, nome dado em homenagem ao matemático russo George Cantor (1845-1918). Tal construção é simples. Comece com uma linha de certo tamanho; tire o terço médio; tire o terço médio das duas linhas restantes; repita o processo várias vezes. O que sobra são finas linhas, chamadas poeira de Cantor (ver figura abaixo).



Mandelbrot concluiu que esta abstração matemática representava exatamente o ruído nas transmissões. Assim, a solução que a IBM poderia tomar era nula, ou seja, a empresa deveria aceitar o fato de que os erros são inevitáveis e usar estratégia de redundância para descobrir e corrigir os erros.

O conceito da poeira de Cantor era totalmente incomum na matemática sob o ângulo de dimensão. Numa visão euclidiana, como sabemos, um cubo tem dimensão 3 porque apresenta largura, comprimento e altura; uma folha de papel possui dimensão 2 porque tem largura e comprimento; um fio tem dimensão 1 por apenas ter comprimento e, finalmente, um ponto tem dimensão 0 pois não apresenta nenhuma das qualidades.

Mas quando se pensa nas formas da natureza, como contorno de uma folha, do litoral, de uma montanha, de um fragmento de rocha, esta geometria se mostra deficiente. Nas palavras de Mandelbrot: “nuvens não são esferas, montanhas não são cones”. Sobre estas idéias, Mandelbrot escreveu um artigo denominado “Que extensão tem o litoral da Grã-Bretanha?”, onde analisa o processo de mensurar uma forma irregular como o litoral. Para descrever as formas da natureza, Mandelbrot foi além destas dimensões inteiras 0, 1, 2, 3, chegando a dimensões fracionárias.

Faltava um nome para as formas que Mandelbrot pesquisava. Certo dia, ao folhear um dicionário de latim que seu filho terminara de trazer da escola, a palavra foi encontrada: o adjetivo fractus, do verbo frangere, quebrar, fraturar. Daí surgiu a palavra que viria, a partir dali, revolucionar a maneira como são estudadas várias propriedades de diversos campos científicos: fractal.

Difícil conceber objetos de dimensão 2,73, não é mesmo? Realmente. Mas aqui você pode pensar em dimensões não inteiras como grau de aspereza ou grau de fragmentação. Voltando ao estudo do litoral, Mandelbrot viu que o grau de irregularidade permanecia constante, qualquer que fosse a escala utilizada. Isto significa que, seja de perto ou de longe os padrões de forma são os mesmos (da mesma forma que os preços do algodão). A irregularidade é, paradoxalmente, regular.

Esta é uma das principais características dos fractais: a auto-semelhança. Você vê isto sempre que corta um pedaço de couve-flor e vê que este pedaço é semelhante à verdura inteira. Um “pedaço” da poeira de Cantor é semelhante ao conjunto inteiro.
Fonte: In the Caos

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