21 de novembro de 2003

A DEUSA

Eu entrei no avião e ela veio em seguida. Linda. Bem vestida, cheirosa.
Maravilhosa. Passou por mim como uma deusa, ciente de sua majestade. Fiquei impressionado. Como pode existir uma mulher assim?
Pois no vôo de volta, lá estava ela outra vez. Que sorte a minha! Desci do avião e entrei naquele ônibus desgraçado de Congonhas, a caminho da ala de desembarque. Vi que ela vinha ao longe, puxando sua malinha e mais uma vez apreciei o desfilar da deusa. Aí ela torceu o pé e caiu. Levando junto toda minha admiração pela deusa que, agora, não passava de um desconjuntado monte de carne e roupa, descabelado e amassado, esparramado no chão. Não sei o que foi pior, o ridículo da situação ou o choque que destruiu em mim aquela aura mítica, da deusa intocável.


Lembrei de um presidente dos EUA caindo na escada do avião. Lembrei da
supermodelo torcendo o pé na passarela. E daquela miss que nos anos 70 desabou ao descer a escada...


Você já viu uma pessoa humilde levar um tombo?
E qual foi sua reação?
E quando a pessoa não era humilde, mas rica , elegante ou poderosa?
Sua reação foi igual?
Não sei. Tem gente que corre acudir. Tem gente que morre de rir. Tem gente que prefere não olhar. Tem gente que torce pro outro cair.
Mas todos sentem o ridículo da situação.
Cada momento desses é único. Destrói a aura dos ícones, transformando-os em seres humanos. Iguaizinhos a nós.
E mostra como é tênue a aura de majestade que doamos às pessoas que, por algum motivo, nos despertam fantasias de poder, dominação, luxo e riqueza. O tombo da gostosa, trouxe-a de volta para o mundo real. Destruiu em mim uma fantasia. E mostrou que a realidade não nos serve, por ser nua e crua.
A realidade é muito pouco para rechear nossas vidas.
Sem fantasia, não temos deusas. Nem heróis. Sem fantasia, somos medíocres.
De carne e osso, previsíveis e mortais.
No entanto, tem gente que condena a fantasia.
Prefere ver naquela gostosa apenas uma mulher bonita.
Talvez se achem sortudos, pois não terão a decepção que eu tive.
Mas terão perdido um momento belo: a chance de apreciar uma deusa.
Pelo menos enquanto durou.

Luciano Pires é profissional de comunicação, jornalista, escritor,
conferencista e cartunista,
atualmente Diretor de Comunicação Corporativa da Dana. Visite o site
www.omeueverest.com

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