15 de fevereiro de 2005


Trabalho e tédio


Procurar um trabalho pelo salário é uma preocupação comum a quase todos os habitantes dos países civilizados; o trabalho é para eles um meio, deixou de ser um fim em si; por isso são pouco apurados na sua escolha de trabalho, desde que colham um grande lucro. Mas há naturezas mais exigentes, que preferem perecer a trabalhar sem alegria: são pessoas seletivas, que não se contentam com pouco e a quem um ganho abundante não satisfará se não virem no trabalho o ganho dos ganhos. Os artistas e os contemplativos de todas as espécies fazem parte dessa categoria humana rara, mas também esses ociosos que passam sua existência a caçar ou viajar, a ocupar-se em aventuras galantes ou a correr aventuras. Todos procuram o trabalho e a necessidade na medida em que possam estar ligados ao prazer e, se necessário, até o pior e mais duro trabalho. Mas, saídos daí, são de uma indolência, mesmo se esta lhe cause a ruína, a desonra, perigos de morte ou de doença. Receiam menos o tédio do que um trabalho sem prazer: é preciso mesmo que se entediem muito para que o seu trabalho resulte. Para o pensador e todos os espíritos inventivos, o tédio vem a ser esta desagradável "calma" da alma que precede o cruzeiro feliz, os ventos alegres; é preciso que ele suporte em si esta calma, esperando o seu efeito. É precisamente isso que as naturezas menores não podem obter de si! Expulsar o tédio de qualquer modo é vulgar, assim como trabalhar sem prazer. Talvez o que distingue o asiático do europeu é capacidade do primeiro de um repouso mais demorado e mais profundo; mesmo os seus narcóticos agem lentamente e exigem paciência, ao contrário do veneno europeu, o álcool, de uma rapidez repugnante.


Friedrich Nietzsche

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