14 de março de 2005


Uma energia nem tão limpa

Novos estudos confirmam que hidrelétricas podem emitir mais gases-estufa do que termelétricas

Hidrelétricas foram por muito tempo consideradas uma fonte limpa de energia e, por isso, uma alternativa positiva à queima de combustíveis fósseis. Uma série de estudos que avaliaram a emissão de gases-estufa por essas usinas, no entanto, revela resultados impressionantes que desfazem esse mito. Cálculos realizados pelo ecólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), comparam a emissão de gás carbônico e metano ? principais responsáveis pelo efeito estufa ? por usinas hidrelétricas com o que teria sido emitido pela queima de petróleo para gerar a mesma quantidade de energia.

Os cálculos de Fearnside foram feitos para 1990 ? ano-base para inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa sob a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima (UN-FCCC). Naquele ano, a Represa de Curuá-Una, no Pará, então há 13 anos em funcionamento, emitiu 3,7 vezes mais gases-estufa do que a queima de petróleo produziria. Tucuruí, também no Pará, àquela época em funcionamento há seis anos, liberou cerca de duas vezes mais gás carbônico e metano para a atmosfera; Balbina (AM) e Samuel (RO), com respectivamente três e dois anos de operação, uma quantidade 22,6 e 11,6 vezes superior à queima de combustíveis fósseis.

Os dados chamam ainda mais a atenção quando contrastados com a falsa imagem não poluente dessas usinas ? freqüentemente alardeada por empresas que têm interesse na construção e manutenção de hidrelétricas. A contabilidade da emissão de gases-estufa é feita de maneira equivocada e os relatórios freqüentemente omitem as cifras estratosféricas de gases-estufa liberados por essas usinas.

"Os inventários que controlam a emissão de gás carbônico e metano levam em consideração somente os gases encontrados na superfície dos lagos", explica Fearnside. "Esse percentual, no entanto, corresponde a uma parcela ínfima do total liberado para a atmosfera. Um cálculo preciso exige a avaliação da emissão de gases pelas turbinas e vertedouros e pela decomposição aérea da vegetação inundada pela represa."

Os reservatórios das hidrelétricas alagam extensas áreas florestais e as plantas, submersas anualmente com a subida e descida do nível da água, transformam-se em verdadeiras fontes de metano quando entram em decomposição. No fundo das represas, a quantidade de metano é altíssima. Quando a água das turbinas perde pressão ao vir rapidamente à tona, o gás nela dissolvido é liberado, como as bolhas de uma garrafa de refrigerante recém-aberta ? e esse fenômeno não é levado em consideração pelos cálculos oficiais. O metano e o gás carbônico absorvem os raios infravermelhos que deveriam ser irradiados e impedem sua dissipação, o que resulta no efeito estufa.

Em seu primeiro trabalho sobre esse tema, publicado em 1995 pela revista Environmental Conservation, Fearnside já chamava a atenção para os gases ?clandestinos? liberados pela usina Balbina, mas a emissão das turbinas não entrava na conta. Hoje, a situação é ainda mais alarmante. Diversos outros artigos já publicados do pesquisador também avaliam negativamente as usinas de Curuá-Una, Tucuruí e Samuel (veja: ). O mais recente, que discute a possível construção de duas novas hidrelétricas no Rio Xingu, será divulgado em abril em um livro da Coalizão Rios Vivos.

As hidrelétricas pareciam uma alternativa limpa à geração de energia justamente pela suposta emissão inferior de gases-estufa à atmosfera, em comparação às termelétricas. "Os novos dados devem ser utilizados para calcular a relação custo-benefício da construção de novas usinas", alerta Fearnside.


Bel Levy
Fonte: Ciência Hoje/RJ
14/03/05

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