Cópia controlada: direito de quem?
No começo era o Napster. Shawn Fanning introduziu um novo conceito de troca de músicas em formato digital através de um programa que se conectava a um servidor central e permitia que seus usuários baixassem arquivos diretamente de outros usuários. A indústria fonográfica caiu em cima, as gravadoras condenaram e alguns poucos artistas aplaudiram a revolução que começava.
Então a briga se acirrou e processos começaram a circular. Criador e usuários do software foram processados, sites fechados e privacidade invadida. Idéias de como suprir a queda dos lucros anunciada pelas gravadoras, que atribuíram o ocorrido à troca de músicas, começaram a surgir, e então a proteção contra cópia em CDs de áudio começou a ser estudada.
Eis que hoje pego um CD que contém as seguintes informações: "Cópia Controlada - Veja os detalhes no verso". Controlada? Interessante... Virei o CD e vi informações de compatibilidade. A frase em letras pequenas, mas com certo destaque, anuncia: "Problemas de reprodução poderão ser encontrados em alguns equipamentos". Como assim? Comprei o CD e pode ser que meu aparelho não toque?
Abri o CD para vasculhar o encarte. Nada. Tirei o CD e atrás dele encontrei uma "cartinha" impressa, reproduzida abaixo na íntegra:
"Obrigado por comprar este álbum, pelo seu apoio aos artistas, compositores, músicos e outros que criaram e tornaram possível este trabalho artístico. Por favor, lembre-se de que a gravação e o trabalho artístico contidos neste álbum estão protegidos por leis de propriedade intelectual. Como você não é o dono da gravação nem do trabalho artístico, este produto não é seu para distribuição. Por favor, não use os serviços de Internet que promovem a distribuição ilegal de música, nem presenteie aos outros com cópias de seus álbuns ou os empreste para que sejam copiados. Isto prejudica os artistas que criaram a música e tem o mesmo efeito que retirar um álbum de uma loja sem pagar por ele. As leis nacionais e internacionais prevêem penalidades severas, tanto civis quanto criminais, pela reprodução, distribuição e transmissão digital não-autorizada de gravações musicais protegidas por leis de propriedade intelectual.
Para encontrar arquivos legalizados para download visite Musicfromemi.com. Este site foi originalmente desenvolvido em língua inglesa."
Ótimo. Não empreste, não passe adiante e não conte para ninguém que você tem o CD. Não fuja da loja com o CD debaixo do braço! Ou melhor, roube o CD, pelo menos a gravadora continuará ganhando seus trocados e a loja arcará com o prejuízo. Mas cuidado com o alarme!
Abismado com a tecnologia que nunca tinha visto (já que a maioria dos CDs que compro são de pequenos selos europeus, coletâneas que não têm muito nome ou aqueles em gôndolas de promoção no melhor estilo "um-por-cinco-e-cinco-por-vinte") peguei o CD e coloquei no meu computador:
"To listen to the CD a number of files need to be updated on your PC. Select OK to install, Cancel to quit the installation process."
Ok. Ninguém tinha me dito que eu precisaria instalar nada na minha máquina. Como assim? Eu preciso instalar um número de arquivos, não sei quais são, não sei o que essa atualização implica e não sei como fica minha privacidade depois de tentar ouvir o CD. Espere um pouco, tive uma idéia! Vou mandar minha paranóia dar uma volta enquanto eu instalo esse monte de coisas que eu não sei para que servem!
Cancelado, lógico. Abro o Winamp, programa que eu uso para escutar CDs. Nada acontece, ele simplesmente não acha os arquivos de música. Vou ao Windows Media Player para ver o que acontece. Rolou. Felizmente não precisei instalar nada desconhecido para conseguir ouvir o meu CD, que acabei de comprar. Afinal, se não confiam em mim, porque confiarei em uma atualização que eles sugerem?
O som é bom, como eu esperava, mas agora tenho outro problema. Eu comprei recentemente um discman que reproduz MP3, e a vantagem dele é justamente andar com 15 dos meus CDs em apenas um. Se eu comprei o CD, eu tenho o direito de estar com ele, não importa se com o original ou se com uma cópia dele. Parece que deu certo, estou conseguindo transformar em MP3 numa boa. Estranho! Consegui copiar as músicas, embora agora esteja me sentindo um pirata.
Vou entrar no site da EMI, deve ter algo sobre o controle. Nossa, que capricho! Registraram até domínio para informar ao cliente o que está acontecendo.
"Estamos decididos a combater todas as formas de pirataria e vamos utilizar todos os meios possíveis para impedir a cópia e distribuição ilegal da nossa música incluindo medidas tecnológicas, legais e legislativas, onde for apropriado. Roubar propriedade intelectual é o mesmo que roubar qualquer outro tipo de propriedade".
Realmente, vão usar todos os meios! E eu que sempre pensei que o melhor era pesquisar e usar apenas o meio mais inteligente que, de uma vez por todas, o assunto estaria resolvido.
"Embora estejamos envolvidos ativamente no desenvolvimento de tecnologias que impedem a cópia ilegal de CDs, reconhecemos também que as pessoas desejam ouvir a sua música em muitos ambientes diferentes. Assim, estamos trabalhando para desenvolver soluções tecnológicas que não só impeçam a cópia em massa, mas, principalmente, que também lhe permitam fazer um pequeno número de cópias legais de um disco para uso pessoal".
Ah! Obrigado por pensar em quem sustenta vocês! Quem sabe agora possa ter o CD e uma cópia de backup, que eu deixe guardada num cofre para que ninguém mais ouça? Talvez fosse uma boa incluir no CD fones de ouvido e dizer que esse CD pode ser ouvido por apenas uma pessoa! E falar para os artistas fazerem músicas mais complexas, para evitar que as pessoas as cantarolem por aí!
O site informativo ainda explica como transmitir cópias ilícitas pode criar riscos de segurança para seu computador. Gerar pânico, outra ótima estratégia! Dizem lá que um arquivo que parece ser música pode ser um vírus que destrói seu computador, ou pornografia que pode acabar sendo vista por seus filhos.
E no FAQ há mais informações úteis sobre o programa:
"Porque o disco não toca no leitor de CD do meu carro?"
Resposta: "Teste o disco em vários leitores de áudio. Se o disco falhar em vários leitores, é provável que seja um disco com defeito que deve ser devolvido à loja. Se o problema for específico de um leitor particular, comunique ao fabricante e à EMI. Faremos o possível para resolver o seu problema."
E se isso não funcionar, troque o seu carro.
"Posso reproduzir este disco no meu sistema Linux ou outro baseado em Unix?"
Resposta: "No momento, os nossos discos suportam reprodução apenas em computadores PC e Mac".
Ótimo! Aproveite e compre o Windows XP, porque para ouvir um CD que custou R$ 30 você vai precisar de um sistema que custa no mínimo R$ 800! Nada de usar sistemas livres. Formate e instale o Windows.
"Porque o iTunes não reproduz o disco corretamente?"
Resposta: "Porque o iTunes está reagindo à tecnologia de controle de cópias. É por isso que o CD contém um player para Mac"
Sim, nós te diremos o que usar daqui para frente se você quiser mesmo pagar pela nossa música!
Segundo a Phillips, criadora do CD, os CDs com sistemas de controle de cópias violam as especificações do padrão Red Book e, portanto, não podem ser chamados de CDs, ou usar clássico logotipo "Compact Disc". Então fique atento ao símbolo e aos dizeres "Cópia Controlada" na caixinha do CD que você for comprar, pois ele pode não funcionar no seu aparelho.
Depois de tudo isso, dúvidas permanecem. Essa era a melhor alternativa? Vou me sentir um criminoso e ser comparado a um ladrão de CDs mesmo tendo pago mais de R$ 30 pelo disco? Será que a proteção aos direitos autorais exigida pelas gravadoras pode infringir meus direitos como consumidor de usar o produto, pelo qual paguei, como bem entender? Sempre ouvi que o direito de um acaba quando começa o do outro.
E a briga de gato e rato continuará, porque enquanto as gravadoras se sentirem lesadas, lesarão seus clientes com atitudes como essa. Agora, uma coisa eu não entendi: se estão trabalhando numa solução para permitir um pequeno número de cópias legais do disco, eu vou poder copiar os CDs e vender para alguns amigos? Talvez essa seja a forma de fazer um CD de R$ 30 sair por R$ 15, o preço que a maioria dos consumidores pagaria, em vez de copiar e transmitir as músicas pela Internet...
Ações contra a proteção anticópia
A proteção anticópia em CDs é apenas uma maneira de impedir que usuários sem muito conhecimento técnico os transformem em MP3, já que é sabido por todos que crackers e piratas de verdade facilmente conseguirão quebrar essa proteção, se assim quiserem.
Na Internet a manifestação contra o uso de sistemas anticópia é grande. O site Fat Chuck's traz uma lista de CDs "corrompidos", uma maneira de evitar que usuários caiam no conto e levem um CD que não lhes permite a cópia ou, em vários casos, a reprodução em determinados aparelhos de som.
Além da lista, o site também traz dicas de como o usuário pode manifestar seu descontentamento com esta prática, incluindo até dicas de como mover processos contra as gravadoras e seus custos.
A página também oferece links para outros sites semelhantes, como a "Copy Protection Sux" e "Don't Buy CDs".
Fonte: Rodrigo Martin, Terra
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