Você já viu o sol hoje?
Ele me pareceu meio vermelho demais. Grande demais, quente demais.
Estava indo trabalhar e aquela coisa estranha. Ela estava ali, entende. Atravessei a rua sem olhar para os lados, apenas tentando ouvir o barulho dos carros - sempre faço isso, é um mau hábito eu sei, mas quando tiver filhos não farei mais, prometo - e vi as mesmas, exatamente as mesmas pessoas de sempre. O cara de cabelo comprido, que usa terno e gravata mas tem um óculos de surfista, ah e ele sempre está comendo um salgado qualquer com uma lata de coca-cola (isso às cinco para às oito da manhã), a faxineira do prédio, que não é nem simpática nem mal-educada, apenas é, está ali, abre a porta e abaixa a cabeça antes que você consiga lhe dar oi, o porteiro simpático, entrega o jornal e deseja um bom trabalho de uma maneira tão espetacularmente animada que me dá vontade de rir.
Tenho medo do elevador. A porta sempre fecha quando eu estou entrando. É sempre um desafio: as luzes vermelhas aterrorizantes acendem-e-apagam alucinadamente enquanto a porta tenta lhe engolir.
Voltando ao sol, fazem exatamente oito horas e vinte minutos que não o vejo. Isso me lembra um filme italiano que assisti a muito tempo, e que se eu não me engano chama-se A Classe Operária vai ao Paraíso - Operário perde um dedo em acidente de trabalho e é envolvido em movimento de protesto. Clássico do cinema político italiano, radiografia de um operário, dividido entre as tentações da sociedade de consumo e as convocações da esquerda tradicional - e que tem uma cena em que na hora da entrada dos operários em uma grande fábrica, um dos garotos rebeldes grita que eles entrarão ali antes do sol nascer e só sairão depois que ele se pôr.
Fiquei imaginando o quão triste seria viver sem ver o sol.
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